Um fantasma pedala ao lado
As rodas ainda giravam como se tentasse dizer alguma coisa, o quadro de bicicleta estirado no chão com marcas de sangue gritava no asfalto. Era mais um ciclista morto em uma das principais rodovias do Brasil, desta vez um jovem de apenas 16 anos.
Poderia ter sido mais um caso de imprudência de um motorista irresponsável ou do próprio ciclista. O garoto foi morto por um fantasma. Isto mesmo, um fantasma que ronda nossas ruas, avenidas e estradas por todo o Brasil e que provoca sérios acidentes atingindo principalmente ciclistas e pedestres. Ele não tem rosto, não tem nome, mas está de tocaia a espera de um vacilo. Estou me referindo às ondulações, buracos, má qualidade de nossas vias/estradas, da qualidade inferior de camada de asfalto em que são construídas.
Responsável por boa parte dos acidentes causados a ciclistas desavisados e com pouca experiência ou não, estes assassinos fantasmas rondam a vida dos que treinam ou simplesmente pedalam por rodovias. Basta um pequeno tombo causado por um asfalto mal nivelado para que mais um ciclista vire vítima, mais um caso inexplicável que vai ficar sem respostas pelos ditos responsáveis.
Como sabemos, é perigoso pedalar em estradas em nosso país, mas quando se tem cautela diminui muito o risco de acidentes, porém, contra grandes imperfeições no asfalto fica mais difícil frear ou desviar a tempo, afinal você não está fazendo uma trilha quando se pedala em uma avenida ou estrada: o ciclista não espera encontrar obstáculos onde teoricamente não poderiam existir.
Apesar de ser um fanático pelo mountain bike, às vezes treino em estradas para ganhar volume ou por conta das chuvas. Nestes momentos confesso sentir que não será apenas com minhas atitudes e ações que vai se evitar um acidente, tenho que contar com o meu grande parceiro chamado sorte, ele é que vai também me ajudar a retornar para casa vivo e seguro, sem desprezar a ajuda principal do divino.
Pedalar nas estradas do Brasil é como emprestar um cheque a um amigo – você torce para que ele não perca ou que não tenha desvio de comportamento – por isto siga sempre sua intuição se não tiver legal, se algo dentro de você ecoa para não sair, ligue a TV ou mude o roteiro e vá para as trilhas, pro mato…
Assim como as drogas que não escolhem suas vítimas por seu status ou poder e mata independente de quem as use, estradas mal construídas ou mal conservadas também não escolhem suas vítimas e não veem quem está pilotando. É bom lembrar a empreiteiros, empresários e alguns políticos inescrupulosos, que por conta de propinas, desvios e mutretas, não realizam as obras devidamente, conforme manda a lei quando se é recolhido tantos impostos; que a próxima vítima pode ser a sua linda filha ou o filho triatleta prestes a se formar em engenharia civil ou algo parecido.
O fantasma do descuido e do desrespeito vai continuar a existir enquanto não se der valor à cidadania e investimentos em educação, e, claro, enquanto tivermos apenas o uso de veículos de quatro rodas como prioridade. Tudo isto um dia haverá de mudar, acredito nas palavras de John, aquele cabeludo dos Beatles, sou otimista, mas até lá precisaremos estar atentos a perigos que rondam nossos tours, passeios e treinos de bicicleta.